La Biennale e o percurso intimista do Arsenal de Veneza

La Biennale di Venezia 2022

Falta pouco mais de um mês para o término da Bienal de Veneza de 2022. A 59ª edição desta  tradicional mostra internacional  de arte está  em exibição até 27 de novembro.

Lá  estive em abril  na inauguração. Acho que só agora encontrei, espero que a tempo, o distanciamento para falar não do evento, mas do que ele reverberou em mim  enquanto visitante. Por isso, deliberadamente escolho não dar nomes a artistas e obras. Opto por descrever sentidos e sentimentos, impactos que eles (os artistas) e elas (as obras) vem propagando em mim.

Mostra de arte em era de fronteiras digitais fluidas em meio à guerra entre Rússia e Ucrânia. Este é um ano que desvela o arcaico questionamento  de territórios. O evidente anacronismo me leva à uma série de  questionamentos: a que  ponto a exposição dividida em pavilhões nacionais no parque Giardini da Bienal de Veneza ainda faz sentido? E se cada país cedesse seu pavilhão para artistas de outros países? E se  a Arte, como precursora de ideias e comportamentos abrigasse imigrantes, acolhesse  refugiados, olhasse para  o outro com  olhar expatriado. Ou seria somente mais humano?

Claro que as tradições e  cultura de cada povo devem ser lembradas, expostas e propagadas. Mas não  teria a arte a função de indagar e explorar  o que ainda é desconfortável no contemporâneo?

O trajeto no Arsenale di Venezia

Acho que por isso, entre os inúmeros eventos principais e paralelos  da Bienal deste ano, me encantei mesmo com o conjunto de obras em exibição no Arsenal de Veneza. O espaço  traz um percurso etéreo que ao seu longo  desperta  uma sensação de pertencimento à uma época, mais do que a um lugar.

O tema “Il latte dei sogni” (The milk of dreams, em inglês e “O leite dos sonhos“, em tradução para o português) remete a possibilidade de sonharmos novos modos de vida de imaginarmos infinitos papéis e  possibilidades além daqueles que exercemos.

Congruentemente a trama ali  trançada transcende à vanguarda.  Palavra esta aliás do dicionário militar, mas que nos coloca diante de um tempo (2022) onde  somos ininterruptamente  julgados pelo senso comum. Nessa unanimidade, que sistematicamente  nos despeja  no cancelamento, no narcisismo e na opressão das redes.

Em meio a esta expropriação diária da nossa  subjetividade senti que o conjunto reunido no Arsenal de Veneza  foi capaz de entregar uma vivência  singular a cada visitante. A imersão no labirinto artístico ali combinado me trouxe a sensação de autonomia resgatada. Trazida à tona  não só pelo olhar e representação do outro pela arte, mas por um percurso, que mesmo partilhado  com inúmeros  outros visitantes, teve o  mérito curatorial de se parecer só meu. Não pelo caráter  horizontal ou comum que permite que todos deles se apropriem mas por sua representação sensível, plural e sensorial capaz de despertar memórias,  reflexões, emoções.  Como uma sessão de terapia que catarticamente irrompe questões  comuns que  nos tocam intimamente, de forma tão única.

Dica da Visitação

P.S. Alguns  pavilhões de países também  situados no Arsenal de Veneza tiveram a virtude de prolongar e partilhar essa noção peculiar de proximidade. Porcelanas que expõem cenas privadas para exibição e  uso público contrastam  com a apresentação de um ecossistema capaz de acumular carbono na atmosfera exposto numa uma instalação capaz de  dar à esta questão o peso do foro íntimo.

Se tiver pouco tempo e precisar escolher um lugar da mostra para visitar não tenha dúvidas, siga para o Arsenal.

 

 

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