ABRIGO PARA NOSSA ESSÊNCIA

Esta manhã saí para caminhar. Aproveitar o calor deste tão atípico inverno curitibano. Saí sem rumo, flanando pelas calçadas. De início procurei o sol (para me aquecer) e logo depois mudei de lado, para ver seus reflexos nas fachadas. Continuei observando o entorno, andando no sentindo contrário das ruas onde costumo passar de carro. Tenho por hábito olhar as casas, as janelas dos apartamentos e imaginar como as pessoas vivem. Como cuidam de seus lares e convivem com a cidade ao redor.

Como as pessoas se relacionam com os espaços construídos e estes com as cidades é um pouco do que pretendo dividir aqui. A arquitetura de interiores dá abrigo à nossa vida e nossas memórias, confere privacidade ou nos conecta dando suporte a nossos sonhos e anseios.

Sigo… Um varal me chama a atenção: Cobertores arejando – será por falta de uso? Pessoas nas varandas de um edifício  lendo um livro, preparando um churrasco ou simplesmente observando o tempo passar. Alguém na janela passa um pano no vidro, ouço uma criança brincar. Passo por uma garagem aberta com balde a postos para lavar o carro, exatamente como fazia meu avô durante a minha infância. O jornaleiro passa e faz, da bicicleta, sua entrega sobre um muro. Quem pega lá dentro o jornal? Irá ler os classificados em procura de um apartamento, tempos tão inseguros os atuais, ou o caderno de economia, em busca dos índices de reajuste do aluguel? Viro a esquina e sinto um aroma de ervas. Quem cozinha do outro lado? Com o que se alimenta? Com quem compartilha? Um alarme toca. Um gato sobe a fachada a minha frente, onde está o sol. Nas copas e nos paralelepípedos as flores já preenchem os vãos como na primavera, que se anuncia tão precipitadamente.

Os convido à pensar o morar passando da beleza à forma, de dentro para fora, inclusive de nós mesmos. Tentar ver cada morada como o reflexo de seus habitantes, de suas necessidades e desejos para delinear interiores que abrigam e acolham não só o corpo e suas atividades, mas também a nossa essência.

Faço a volta, retomo meu lado preferido da calçada e caminho até minha casa. Abro a porta. O sol atravessa o espaço, me ilumina, aquece.

Texto Originalmente publicado sob o título o “Abrigo para Nossa Essência” na Stelle Magazine, Edição 01 página 62.  (Acesse aqui)

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